Depoimento de jovens voluntárias no serviço pastoral junto à população de rua

Luíza, Joyce e Bianca são três jovens que possuem uma coisa em comum: a vontade de se doar. Esse desejo tem se concretizado com a experiência junto à população em situação de rua, que elas descrevem abaixo. Boa leitura.



Tempo de espera...


Dois meses, em que horas passam depressa, mas o tempo parece não passar...
Dois meses, onde o coração brota todos os dias numa esperança inesgotável, mas por vezes a angustia insiste em se fazer presente.
Dois meses, em que o aparentemente, importante, já não se tem o mesmo valor.
Dois meses, em que vivemos a experiência mais intensa mesmo sem termos feito um planejamento prévio.
Dois meses, que temos a saudade do contato físico, e reforçamos a confiança de que teremos novos dias de abraços e beijos.
Dois meses, em que os compromissos inadiáveis, foram de uma hora para outra cancelados...

Há dois meses estamos passando por uma terrível situação de governo, com o Presidente que se tornou a maior ameaça ao o nosso país. Um ser humano cruel que pensa mais na economia do que nas vidas que estão sendo perdidas pelo contágio do coronavírus (COVID-19). Um momento em que os médicos, enfermeiros, profissionais da saúde, prefeitos e governadores suplicam a cada dia: Acredite! Ficar em casa é o melhor a se fazer. Para aqueles que não podem ficar em casa, previna-se!

Há dois meses nossas vidas tomou uma nova direção, estamos sendo convidados a conviver conosco mesmo e dar mais importância a presença daquelas(es) que estão ao nosso lado. Nesse tempo, aprendi que a missão começa dentro de mim. Não é preciso atravessar fronteiras ou partir por longas horas, pois a missão é realizada onde nós estamos. Confesso que não é fácil! Deparo-me o tempo todo comigo mesma, como se eu estive olhando sempre para um espelho e isso me permite olhar para dentro de mim. Na busca incessante por equilíbrio descubro em mim muitas características boas e aproveito esse tempo para moldar algumas, que não são tão legais.

Há dois meses, o encontro físico realizado semanalmente com os jovens do Movimento Juvenil Dominicano se tornou um encontro virtual. Partilhamos os sentimentos bons e ruins em nós. Rezamos, dialogamos e compartilhamos as atitudes e as iniciativas possíveis no momento, como a campanha do agasalho em parceria com a fraternidade leiga Dominicana.

Há dois meses estou tento a chance de sair às ruas junto com Irmã Solange, em nome da Comunidade, a partir de um projeto emergencial promovido pela Pastoral do Povo da Rua e, com isso tenho a oportunidade de ouvir histórias e contemplar Deus na face de cada morador em situação de rua. Essa experiência me permite vivenciar com mais profundidade a minha escolha por servir aos pobres e excluídos, me fortalecer humanamente e espiritualmente. Aprendo a enxergar os extremos de morar na rua, a experiência através da beleza, da solidariedade, do amor pela liberdade, e pela vida, do cuidado, respeito e do afeto, mas infelizmente me deparo com a extremidade da violência, do medo, da insegurança, do álcool e drogas. Jovens lindos, machucados externamente e internamente.

Há dois meses FICAR EM CASA é com certeza a melhor opção, mas como repetir para muitos que não tem um lar? Como dizer ás pessoas para lavarem as mãos e se protegerem quando o básico lhes faltam? As perguntas, ficam em meu coração todas as vezes que volto da rua. Emociono-me quando escuto “Me tira daqui”, “Eu queria só um banho”, “me arruma um tênis?”, “Vocês são anjos!”, “não estou aqui por que eu quero” tantas vozes dessa nossa gente que ficam martelando em minha cabeça.

Enfim, há dois meses, o novo foi colocado de forma não calculada e ensaiada à nossa frente. Tenho a sensação, que estamos vencendo com a força, que nos é própria como brasileiros. Seguimos ligando e mandando mensagem para os amigos e familiares. Assim podemos nos fortalecer e, fortalecer àqueles, que parecem estar a quilômetros de distância. Na verdade estão a 5/10 minutos de nossas casas. Carregamos a alegria, a esperança e confiança que nos é peculiar. SEGUIREMOS JUNTOS, SÓ QUE CADA UM NA SUA CASA.



Na confiança em Deus, em breve será o momento de RECOMEÇAR...

Um grande abraço,


Luiza Helena





A experiência e o contato com os moradores de rua tem sido de grande aprendizado pra mim. Muitas vezes a gente julga sem conhecer ou até mesmo tem medo, pois acredita que eles possam reagir de modo agressivo, mas a realidade é totalmente diferente. O meu contato com eles têm sido muito especial, pois estou quebrando barreiras e suposições que possuía há muito tempo. Como são realidades totalmente diferentes; o modo de pensar também é diferente, mas chegando lá você percebe que eles entendem de mais coisa que você poderia imaginar. Alguns que estão ali tem estudo, outras condições de vivências adquiridas, mas as situações e circunstâncias não os ajudaram. O mais interessante é que eles conversam com você quando chegamos lá. Pedem oração e contam como estão, demonstram suas carências de atenção e fico feliz em ajudá-los a lembrar que também são humanos.

Bianca Roberta



Não tenho palavras para descrever o momento em que fitei meus olhos naquelas pessoas: tão doces, singelas, com tão boa índole, mesmo com tão pouco; ainda assim carregavam um sorriso no rosto e uma palavra amiga. Eu me senti verdadeiramente tocada por aqueles olhares. Aquela oração tão simples, mas muito fervorosa. Em um momento tão difícil como esse, eles vivem despreocupados, sem medo. Devido à falta de recursos para aquela população, em meio a esse caos, muitos que já nem se importavam; viraram as costas mais ainda para suas necessidades humanas. Fico muito grata à irmã Solange e a Luíza por terem nos convidado a fazer algo tão lindo e nobre. Enquanto todos olhavam pensando que éramos loucos, ainda assim nós não nos importamos e seguimos fazendo algo, que para muitos é loucura. Para eles foi o alcance de uma graça. Nada deve nos motivar mais do que a alegria de ajudar alguém.

Joyce Emanuelle

Comentários